terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Marcelo Hessel, não gostei da sua crítica

Gosto de ler a crítica depois de ver o filme. Assisti hoje ao “Infância Clandestina” do Benjamin Ávila no Unibanco (novo Itaú) e fui direto ao Omelete. Quando vi que o texto era do Marcelo Hessel já esperei ver algo que corroborasse minhas impressões a respeito do longa. Fiquei triste. É chato ver uma pessoa cujas opiniões você respeita falar tanta porcaria num só lugar. Claro que as “porcarias” existem sob o meu ponto de vista, suspeito pelo fato de o filme, por motivos diversos, ter me agradado tanto. Este texto, escrito às 4:15 da manhã, vale pra quem já viu o filme e leu a crítica.

A baboseira começa na linha fina: “Candidato argentino ao Oscar não escapa dos problemas do "filme de ditadura com criança””. “Problemas do filme de ditadura com criança”. Não bastasse o crítico implicar que existem problemas prévios já implícitos a essa temática, ele pôs “filme de ditadura com criança” entre aspas, como se tratasse de um gênero todo específico do mundo cinematográfico: “o filme de ditadura com criança”.

Contextualizando: um garoto vive com a família-membro de um dos grandes grupos guerrilheiros da Argentina de 1979, quando a repressão era voraz. O pequeno se vê em meio à imposição ideária de sua família, o que o faz viver sob falsa identidade. Ele se apaixona por uma menina na escola, e isso passa a ser objeto importante do filme. Cenas aparentemente banais levam alguns minutos a passar, sempre sob angulações diferenciadas, enquadramentos inesperados e perspectivas subjetivas. A luta armada funciona como a linha do tempo na vida deste garoto tão sujeito ao novo e a incríveis descobertas – bem como qualquer um no auge de seus dez anos. Antes dos créditos, a dedicatória revela que Ávila passara por situação similar à de Juan (ou Ernesto, sob a identidade falsa).

Para Hessel, o fato de o diretor fazer uma prestação de contas com seu passado se utilizando do pequeno protagonista como seu alter-ego é totalmente condenável. Particularmente, não vi problema nisso, mas porque considero cinema como um modo de expressão pessoal, bem como qualquer manifestação artística. Questões delicadas como ditadura, família, morte e o entrelaçamento desses temas permanecem nas profundezas da consciência da pessoa pela vida a fora, e agem como fator determinante em seu modus operandi. Mais ainda se a proposta envolver a coragem de ir a fundo nesses assuntos.

O fato de o criador aqui ser aspirante a Campanella não dá ao crítico o direito de comparar os dois diretores, que divergem em temática, estilística e estética – na qual, em minha humilde e leiga opinião, Ávila está anos-luz à frente. Reverenciar o grande precursor do cinema argentino é justo, ainda mais em se tratando de um artista sensível como o próprio Campanella. Mas não vale desdenhar o estilo romântico e a intenção de passar os sentimentos de um garoto apenas PORQUE se trata de um garoto.

A grande crítica de Hessel ao filme é o detrimento da luta armada, tema de grande importância histórica, em pró de cenas ultra-subjetivas para relatar as percepções de uma criança. A este respeito, é preciso entender que, se a intenção inicial do diretor era por em foco a estética, a subjetividade, a confusão, a paixão, o sofrimento do garoto, ele foi bem-sucedido. Se ele pretendia narrar a história ditatorial da Argentina, pondo em questão a nobreza dos movimentos guerrilheiros, deveria ter escrito um livro com uma ilustração do Perón na capa.

Não vou entrar em detalhes do que me agradou ou deixou de agradar em cada take, atuação, ou fala. Mas, ao meu gosto, os tão criticados close-ups, a superexploração da camera lenta, a impecável representação em lentes dos sentidos da criança, bem como sua supervalorização, deram ao filme o status de obra. Cinema não consiste apenas em contar histórias através das câmeras. Marcelo Hessel sem dúvidas sabe disso. Todavia, faltou-lhe sensibilidade pra entender que um filme sobre ditadura não precisa ter o foco na ditadura. Ele pode ser muito mais sobre a percepção sensorial de uma criança desnorteada, pode abordar a paixonite aflorada de um garoto reprimido, e pode sim mostrar a beleza de uma aula infantil de ginástica.

Meus inúteis parabéns ao diretor que pôde realizar isso tudo em cima de um tema denso e complexo como plano de fundo, sem banalizá-lo. Parabéns a ele que teve a coragem de desbravar uma memória extremamente triste, fazer uma belíssima releitura de sua história e mostrar tudo isso ao mundo. Isso, pra mim, é cinema.

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