terça-feira, 30 de novembro de 2010

Film Socialisme, uma crítica e o inconformismo de Godard

Tive que fazer para a faculdade um texto que contra-argumentasse com um artigo qualquer. Depois de muito procurar e, por fim, desistir de encontrar, deparei-me com uma crítica do mais novo filme de Godard que estava suplicando por uma réplica.
Segue o link do site onde achei a matéria e, logo abaixo, minha opinião a respeito dela e, principalmente, do filme.
Vale ressaltar que o texto foi feito para uma disciplina chamada Lógica e Argumentação, portanto, o intuito era defender minha posição com unhas e dentes.
Aí vai:

A crítica de Luiz Carlos Merten: http://spoilermovies.com/2010/10/31/film-socialisme/

Film Socialisme, uma crítica e o inconformismo de Godard

Jean-Luc Godard surpreendeu ao aparecer em 2010, aos seus 80 anos, com um novo longa-metragem: Film Socialisme. No entanto, após ver o filme, surpreendeu-me mais ainda a crítica feita por Luiz Carlos Merten a respeito.

O crítico inicia seu texto afirmando que a obra foi um presente de grego, pois apresenta nada mais que “fragmentos de imagens recebidos com (...) algumas interjeições de absurdo: ‘N’importe quoi’”. Percebe-se aí que Merten não viu significado algum no ‘N’importe quoi’ de Godard e que o termo estava presente no filme apenas porque o diretor não tinha nada mais interessante a acrescentar.

Imagens, legendas e áudios, ao contrário do que o jornalista afirma, são fragmentados propositalmente para possibilitar a narração da história do mundo em 101 minutos. Os elementos não são, como apontado por ele, “colados aleatoriamente”, mas sim intrinsecamente conectados através de signos da história da cultura, do imaginário e do próprio cinema.

Segundo Merten, a obra provocou nada mais que um “tumulto” de que Godard costuma gostar. Afirmar isso equivale a minimizar toda uma intenção de difundir uma ideologia embasada em décadas de apreensão sócio-política e produção artística a um “gostar de tumulto”, apenas porque Godard deve adorar uma provocação.

Ele afirma ser o diretor “muito aquém do esperado de sua própria capacidade”. Porém, aquém está a capacidade do crítico de perceber que as imagens simbólicas utilizadas não fazem parte de um quebra-cabeça desmontado como se não tivessem sentido, mas sim de um conjunto de múltiplas camadas com sentidos diversos.

A referência ao Filme Falado, de Manoel de Oliveira, como ressalta o crítico, está no primeiro cenário escolhido e no destaque ao eurocentrismo. No entanto, o eurocentrismo em Film Socialisme dá-se justamente a partir do questionamento desse mesmo conceito, assim como feito pelo diretor português, e não de fato em sua exaltação.

Este cenário – um cruzeiro marítimo – nada mais faz do que simbolizar a perfeita pendência no tempo e espaço para possibilitar a narração da história do mundo com o mínimo possível de influências externas. Na segunda parte do filme, onde filho e filha questionam noções de liberdade, igualdade e fraternidade, está mais que evidenciada a alusão à Revolução Francesa. Já a viagem aos seis lugares míticos escolhidos por Godard é o seu passeio iconográfico pela Europa.

Conforme afirma Merten, a mais nova obra godardiana conta com personagens sem rumo. O que o jornalista não conseguiu enxergar foi que o rumo está, sim, presente na história, porém, não evidenciado como na linearidade enfadonha da narrativa hollywoodiana.

Para o crítico, também extremamente chato é o inconformismo apresentado. No entanto, o manifesto proposto pelo diretor, ainda que calado de certo ponto de vista, é, ao mesmo tempo, sério. E é justamente a sua monotonia que exalta a forma inovadora que o artista utiliza para destacar esse tal inconformismo.

Ainda segundo ele, a cultura exposta por Jean-Luc Godard é de fachada. É difícil aceitar a ideia de que meio século permeado de produções incessantes de obras primas e de representações sociais não tenha provido ao diretor vanguardista credibilidade suficiente para que “a cultura que ele expõe” não fosse julgada uma mera “fachada”.

Merten destaca ainda que o longa não dispõe de uma trama evidente, mas o crítico careceu de visão para perceber que a história das revoluções, da Europa, do mundo, é a própria trama. Segundo ele, o filme não tem história. De fato, não tem. O filme é a história.

Não é possível fazer uma sinopse porque, de fato, os cacos imagéticos e sonoros não fazem sentido se analisados à parte e separadamente, visto que o diretor não visa a uma lógica fragmentária. Sua postura política deixa claro que, ao pedir que o espectador visualize a obra como um todo, e não cena por cena, Godard roga para que ele enxergue a história do mundo e reflita sobre o sistema que nos governa hoje.

Merten, ao fim de seu texto, atribui a Godard o dever de “despertar paixões pelo cinema”. É possível afirmar com vigor que, se a obra Film Socialisme não excitar, de fato, uma paixão pelo cinema, despertará, no mínimo, senso crítico da sociedade contemporânea, além de deixar no ar o desafio de reflexão acerca do sistema capitalista.

O desejo do francês de firmar o cinema como mídia importante na difusão de conceitos, ideias e princípios da arte moderna, o desejo dele de ultrapassar a si mesmo e seu tempo com a invenção e a inovação, o desejo de proporcionar material artístico com relevância sócio-política, transformaram Jean-Luc Godard na grife que é hoje. É aí que se dá a principal e mais triste contradição do ponto de vista godardiano, que admite – com um pesado inconformismo – a perspectiva de que ele próprio e tudo o que diz respeito ao cinema como instituição maior estão submetidos aos dogmas do capitalismo que ele tanto abomina.