segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Vinte e dois noutro mundo

Em dias em que a dor da perda supera qualquer outro sentimento que possa surgir dos prazeres e peripécias da rotina dessa vida mundana, até mesmo o peso de uma pena na pele é capaz de encharcar os olhos de um cidadão.

Hoje decidi reaver um pouco da amizade que costumava ter comigo mesma e encarar minha própria companhia num encontro a um. Comecei por um passo simples: fui ao cinema. Este não é o motivo dessa manifestação, mas o que se seguiu depois que comprei o ingresso para um dos piores filmes a que já assisti.

Avenida Paulista, palco nada original. Um elemento tocando violino impecavelmente. Novamente, nada fora do comum. Ele engrenava nas cordas a primeira parte do Inverno, das Quatro Estações de Vivaldi, chamada 'Allegro non molto'. Gosto de interpretar o título do movimento como um eufemismo para o "teor", por assim dizer, que a música carrega. Quem conhece deve entender por que eu disse isso.

O motivo da minha manifestação também não foge do corriqueiro, já adianto. O jovem, que não passava dos vinte e cinco anos de idade, vestia uma calça jeans desbotada, camiseta listrada e um all star rasgado no pé. Quem o visse sem o instrumento não esperaria encontrar o que eu e um senhor de boina e suspensório encontramos. No entanto, cada movimento das mãos, dos braços e da cabeça que o jovem tecia numa sincronia fora do normal era um passo a mais para um mundo à parte em que ele, o senhor e eu estávamos. No outro mundo, os carros, ônibus, mudanças nas cores dos semáforos e alguns sujeitos pró-Greenpeace continuavam executando suas tarefas como se nada de extraordinário ocorresse àquele momento.

A carga da música destacava-se avassaladoramente em meio ao barulho urbano, e nem era preciso chegar tão perto. De novo, quem já ouviu o trecho consegue ter uma ideia do que acontecera ali. Pra quem não ouviu e possui o interesse, eis a oportunidade.

Em meio a uma passarela de proletários apressados, que normalmente não dispõem de tempo para visitar brevemente um mundo paralelo, pensei numa saída. Sem saber o que fazer, decidi pela opção que me parecia a única aceitável no momento. Encostei na parede da fachada do prédio, permaneci admirando o artista e deixei meus olhos marejarem conforme as notas subiam e se aceleravam.