quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Eu tento

Tecendo o texto
em tarde terna
teimo em tear
sem ter tempo
Testo a testa
e tenho:
é tarde
Tanto tempo, tudo tenho
Tenho tecido, tenho tesoura
Tenho tecido, mas não tenho texto
Mas tendo tecido, tenho comigo:
eterno

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

'La Prima Cosa Bella': uma contradição inerente ao bom e velho cinema italiano

Não cabe a mim julgar a lamentável decadência do antes majestoso cinema italiano após a morte – profissional ou fatídica – dos famigerados Fellini, Antonioni, Pasolini, Tornatore (embora tenha acabado de fazê-lo). O espectador brasileiro que sente a falta da confusão frente a um filme “all’italiana” de comédia ou drama, engraçado ou triste, superficial ou profundo já pode ver a luz no fim do túnel. Eis que aparece para dar luminosas graças a um cenário obscuro o nome Paolo Virzi.

‘A primeira coisa bela’, décimo terceiro trabalho do diretor e vencedor de três Davids de Donatello e dos festivais de Montpellier, Sannio e Salerno, narra a história de uma família italiana protagonizada por Anna Michelucci (Micaela Ramazzotti), mas contada do ponto de vista do filho Bruno (Valério Mastrandea). As imagens do piegas concurso de beleza das mães de Livorno, vencido por Anna, já colocam logo no início uma contradição: a inocência da mulher, agravada por sua vitalidade, extroversão excessiva e extraordinária beleza, e um contexto histórico-social opressivo (interior da Itália na década de 70, com direito a um marido ciumento e machista e um casal de filhos pequenos).

As peripécias das quatro décadas de vida desta família são contadas de forma a ilustrar as tentativas infrutíferas de Anna de prover qualidade de vida à prole – como qualquer boa mama italiana faria. Ao fugir da casa do marido, a mãe, completamente perdida, enfrenta a partir daí julgamentos e passa a colecionar acusações às custas de sua personalidade expansiva, inclinada e “ingênua”. A conseqüência principal disso foi um filho misantropo, alienado e subversivo, que encontra uma escapatória às suas infelicidades nas drogas.

Relativismo evidente na trama é a positividade de Anna, que nunca foi capaz de manter-se num emprego ou construir uma vida tranqüila, mas manteve-se imersa em seu alto-astral a todo tempo, contraposta ao desgosto jacente e infinito do filho que tem mulher, casa e emprego perfeitos. Ao fim do filme, quando Bruno está prestes a acertar suas contas simbolicamente, Anna finalmente arranja o amor de sua vida, e o fato de isso ocorrer horas antes do seu previsto fim não parece ser motivo para entristecê-la.

A leitura de dois tempos distintos em alternância – o antigo em sépia e o atual em cores desbotadas, condizendo com a realidade de Bruno – permite ao espectador uma visão geral dos fatos, de forma a compor no imaginário o processo de criação dos filhos e evolução da mãe. A tentativa bem sucedida de tecer dois panoramas distintos no mesmo plano de fundo – a vida – não interfere na fluência de cada tempo. Pelo contrário, a cada ruptura na estrutura familiar ocasionada pelas aventuras de Anna, ocorre uma reconstrução do passado no presente. No fim, Bruno retorna à sua terra natal não só para lidar frente a frente com o motivo maior de desgosto em sua vida – sua mãe – mas também com a própria cidade e tudo a que ela remete. Dessa forma, o presente justifica-se pelo passado e vice-versa. Tudo o que acontecera ao longo dos anos mostrara enfim seu escopo.

Uma história triste num filme divertido e belíssimo roteiro com simplicidade no desenrolar dos fatos são acrescidos de elegante estética fotográfica, porém sem grandes investimentos visuais. As atuações da bela Ramazzotti e de Stefania Sandrelli (no papel da Anna moribunda) indenizam a apatia de Mastrandea. Da mesma forma, o gostinho agridoce do estilo italiano de fazer cinema compensa temas clichês como machismo, fuga através de drogas e desenvolturas familiares. A italianidade mostrou desta vez como fazer cinema de personalidade, regado a charmosas contradições, sem pecar pelos extremos.

Já o título do longa faz jus à música de mesmo nome, e não podia deixar de lado a idéia concretizada por Anna de que o amor, ou algo simples como um sorriso – a primeira coisa bela – sobressaem-se às mazelas da própria vida.