sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Cheiro de bolo na Mantiqueira

Era manhã fresca de primavera, um domingo qualquer de 1997. Frederica acabara de tirar o bolo do forno e seguira os passos que costumava dar em todas as suas receitas de patisserie: mergulhou um palito de dente em toda a profundidade da massa quente e o retirou com calma, analisando atentamente o que se saía na minúscula superfície de madeira, e confirmou o ponto do doce; delicadamente, com uma pequena peneira cor-de rosa, polvilhou açúcar em toda a cobertura, de forma que cada fatia contivesse tanta doçura quanto aquela do preparo; e cobriu-o carinhosamente com um pano de prato recém-bordado de pequenas flores de lis em diferentes tons de azul.

Na varanda, uma cadeira de fios azuis suportava o generoso peso do marido faminto, ansioso pelo bolo de nozes. Sua única atividade naquele momento era sacar um cigarro uruguaio do maço '007' adquirido no início daquela manhã no camelô da avenida. O pacato movimento de cidadãos pela via de paralelepípedos e o balanço sutil dos galhos da jabuticabeira do outro lado da rua pareciam entretê-lo suficientemente. Nem metade do cigarro ainda tinha fumado e deu logo um último trago fundo, ouvindo a brasa queimar. Cumprimentou um passante com um aceno sutil de cabeça e apagou o '007' no cinzeiro de prata apoiado na mureta ao lado.

Antes que pudesse levantar e levar consigo até a cozinha sua vontade de comer o bolo recém-saído do forno, ouviu motor de carro. Eram pneus conhecidos nos paralelepípedos assustando os passarinhos que cantavam nos fios elétricos. Na frente do portão vazado, o ruído cessou, o carro estacionou, o motor desligou. Um casal de crianças branquinhas desceu serelepe de uma das portas traseiras. Rosana gritava da sacada, no primeiro andar, de felicidade ao ver os sobrinhos. Suzana descia do automóvel pela porta dianteira e abria um sorriso largo. George retribuiu com a pergunta de sempre: "Bom dia. Trouxeram meu gato invisível?"

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