segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Prefácio do livro 'Resquícios e Retratos: o manganês e a memória social de Serra do Navio'

A memória social navega por entre os imaginários coletivo e individual, enquanto permuta e atua na transformação imediata e constante de cada um de nós. Memória é o que nos faz quem somos, e é a partir disso que ela própria se configura.
Abaixo, alguns parágrafos que resumem o resultado de um ano de muito esforço e dedicação por parte de um grupo encantado com o que o Amapá e, mais importante, a pequena vila de Serra do Navio têm a oferecer a nós, brasileiros.
Abaixo, o início do livro que, mais que qualquer outra coisa, trouxe à tona fatias de nossa memória e ao mesmo tempo formou uma significação individual muito mais elaborada daquilo a que costumam chamar...: realidade.
Abaixo, o prefácio do livro 'Resquícios e Retratos: o manganês e a memória social de Serra do Navio', escrito por Alice Camargo, Lana Ruff e Thais Ozzetti, para o trabalho de conclusão do curso de Jornalismo no Mackenzie.

"Partiu-se da vontade de conhecer diferentes realidades de um país tão vasto e culturalmente rico, unida ao interesse por histórias regionais relevantes em âmbitos social, cultural, político e econômico, porém pouco conhecidas e divulgadas. Não por acaso escolhemos o Estado do Amapá como palco desta obra, já que até hoje esse pedaço de Brasil quase não é reconhecido ou noticiado. No entanto, não bastava encontrar uma história interessante, ainda que fosse no interior do extremo norte. Descobrimos um enredo mais profundo do que era possível imaginar, uma narrativa na qual o personagem principal é um município que vive de resquícios; e seus moradores são retratos de um passado até hoje presente. As memórias são a chave desta história, exploradas para entender a singularidade da cidade que durante tantos dias foi a nossa principal companheira: Serra do Navio.

Na década de 1940 em plena Amazônia Oriental, numa região que hoje corresponde ao território do Amapá, foram encontrados indícios de manganês - mineral essencial para a produção de aço. A descoberta acarretou grandes mudanças não somente ao cenário brasileiro, mas também ao panorama mundial, que contemplava o início da Guerra Fria. O minério então assumia função essencial para a indústria bélica, que tinha grande interesse na compra do minério. Na concorrência aberta pelo Governo Federal para decidir quem daria conta das explorações, ficou decidido que a empresa vencedora deveria investir grande parte dos lucros em intervenções sociais, melhorias urbanas e implantações nos sistemas de saúde e educação. Dava-se aí o início de uma grande história repleta de riquezas, co-protagonizada pela Indústria e Comércio de Minérios S.A. (ICOMI), vitoriosa da licitação.

A outra grande personagem da história foi a região que abrigava as enormes jazidas de manganês, posteriormente denominada Serra do Navio. A pequena vila previamente arquitetada para abrigar as pessoas que viriam trabalhar nas minas teve tudo a seu dispôr. Todas as condições contratuais foram cumpridas, e o Estado do Amapá ganhou ainda um complexo portuário no pequeno município de Santana e mais de duzentos quilômetros de estrada de ferro. Foi depois de quase meio século de exploração que a ICOMI decretava a extinção de suas atividades, alegando o fim da rentabilidade do negócio. Serra do Navio perdia sua mãe, a “mãe ICOMI”. Os moradores da pequena cidade viravam órfãos. Milhares de pessoas, trabalhadores e suas famílias, ficaram sem perspectiva de vida. Muitos partiram da desolada vila em busca de um novo começo, enquanto outros se agarraram ao pouco que lhes restava: o enorme carinho pelo local que durante tanto tempo lhes proporcionara paz e felicidade. Este livro é resultado de uma viagem enriquecedora ao eterno lar dessas pessoas.

A ideia inicial era resgatar uma memória coletiva, e acabamos descobrindo que esta memória jamais se esvaíra. Pelo contrário, entendemos que em Serra do Navio, uma cidade feita de saudade, as lembranças de um tempo que nunca mais volta vigoram de forma atroz. O entrelaçamento das vidas de personagens tão diferentes entre si denota uma realidade comum a todos: a escolha de permanecerem juntos e ultrapassarem o longo período de desesperança que a vila viveu.

Num só palco para várias histórias, presente e passado confundem-se num só tempo: o tempo da memória."

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